segunda-feira, 24 de outubro de 2016

todas as conversas passaram rápido demais
os manifestos passando dos dentes
os manifestos cuspindo saliva
os manifestos erguendo catedrais
de vidro opaco
os manifestos erguendo avenidas
os manifestos erguendo viadutos
sobre as avenidas
os manifestos furando o sinal
os manifestos correndo
antes
dos desmoronamentos em série
no Largo da Carioca
dos feirantes empacotando livros às pressas
correndo
pra não molharem
todos
os manifestos da coleção
vanguardas
os manifestos da coleção
revoluções
os manifestos da coleção
feminismo
os manifestos da coleção
humanismo
foi quando eu perguntei
se ainda era tempo
de medir seus lábios
compreender essa matéria
que tão logo suspenderia todos
os manifestos




quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Se eu vou saber reagir ao sinal, se você perdoaria minha brutalidade, você, nos seus estados brutos. Se há alguma filigrana de comunicação no suor, alguma inteligibilidade secreta no choque das temperaturas percorrendo as camadas espessas de pele sob o pouco de barba, no ar que bafora com força, nos pequenos bloqueios inspiratórios, no jeito apressado de fumar, hoje eu não sei fazer humor e talvez seja essa a maior distância entre dois pontos. Nos seus passos estanques e pesados há ainda uma sinceridade profunda e invejável com o chão, uma sinceridade rítmica e inconteste. Não posso fazer teoria hoje, ainda se fosse a única maneira de compreender a menor distância entre dois pontos, mas pressinto que estava tudo dito. O sentido político esta descrito logo ali, em movimento marcado na serenidade dos arcos que os seus pés desenham, imagina, pro corpo balançar de um lado pro outro atrasando qualquer fim. Sim, nós rompemos efetivamente com as teleologias, sim, rompemos com as todas as causalidades, sim, parece, estamos mesmo no século XXI. Ou pelo menos as curvas que os seus pés fazem no cimento, ou pelo menos o vestígio das patas dos cães que passaram quando ainda fresco. 


terça-feira, 26 de julho de 2016

a alteração
se deu no peso
um pouco de mar
na pele
suspendia os pés
com uma leveza
inesperada
sobre o fofo
da areia
afoita
de vento
arrepiado

os olhos fixos
sob o óculos
nas trincheiras
de espuma
sobre pedra

o turista
de braços abertos
desconhece
o movimento
da lambida
da submersão
em looping
dos golpes
das varridas

os corpos
derrapados
dos pescadores
submersos

arrisca uma
fotografia
de costas
pro mar

o salva vidas
processa
todas as imagens
de uma morte
enquanto corre

os corpos
se entrelaçariam
na gravidade outra
entre levitações
breves
e quedas bruscas
no áspero
da areia erijecida

depois da série
cambaleantes
se dispedem
com um certa distância
um desvio
de olhar

minha língua
aguarda
o retorno
diante do óculos
que deixou
sob minha guarda

lamberia o pouco
de sal
de sol
o tanto
de mar

quinta-feira, 9 de junho de 2016

extraiu com delicadeza todos os fios do estômago. ela não deveria mais se esconder da gula. babava. grandes gotas de baba. sua boca talvez nunca mais se fechasse. era árida a baba que escorria. eram fios vermelhos. um grito talvez ainda escoasse em paredes distantes. mas por aqui só silêncio e baba. por aqui a duração de uma pausa. o infinito entre zero e um é maior que o infinito dos números inteiros. no futuro, talvez a sua baba fosse matematicamente mensurável. contar as gotas era fácil, mas o fluxo ininterrupto que aos poucos se estabelecia impossibilitou a conta logo nos primeiros dias. se haveria ainda baba fresca nos próximos anos, ela não sabia responder. um policial ordenou que fechasse a boca. avisaram a ele que poderia ouvir a voz dela em distantes paredes por onde batia seu eco nesse exato momento. o policial saiu em disparada mas nunca encontrou a parede porque esqueceram de avisar que a sirene do seu carro abafaria o som. o policial nunca mais voltou e uma frota de policiais foi enviada para apreendê-lo. por toda a cidade se ouvia o som das sirenes. o corpo de bombeiros aderiu à busca. as paredes multiplicavam as notas das sirenes somadas. a baba continuou cada vez mais espessa. os carros corriam dia e noite, a não ser quando nem mesmo a sirene perfurava o bloqueio do engarrafamento. ouviram dizer que havia um sorriso deformando a boca aberta. talvez fosse uma risada aquilo que ecoava por baixo das sirenes. o primeiro policial sequer tocou a baba antes de sair em busca da mensagem distante que a incriminaria. tudo porque viu uma mulher de dentes expostos, líquidos soltos. talvez fossem muitas bocas abertas e altos decibéis de gargalhada. a gula era altíssima e os homens corriam. não sabiam escutar uma mulher. 

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Martim de Sá

q'eu só queria
era capturar
o desenho exato
do tremor
das minhas pernas
bambas
no desfiladeiro

quando a noite acaba
entre dois abismos
qualquer vento
ameaça
derrubar meus pertences
pelas rochas
os cipós
as folhas
os tons
do verde musgo
ao esmeralda
ao encarnar
um barulho
impiedoso
cada vez mais longínquo

e o intuito
dissimulado
de comprovar
o peso
infreável
de uma gravidade
muda
até a areia

fina
que abafaria
discreta
o rufar
da queda
de três mil metros
de altitude

abafaria
a crueldade
necessária
de todos
os esfacelamentos
estruturais

de uma garrafa
ao derramar
minha sede
ou de uma máquina
fotográfica
ao romper
o enclausuramento
imprescindível
da câmara escura

estouraria
as silhuetas
e as expressões
alaranjadas
acima das nuvens
nesse ocaso
flagrado
aos poucos
diminuindo
o diâmetro
das pupilas

receberia
afinal
branca e úmida
meus pés
sedentos
de macio
depois de atravessar
três vezes
o rio
que corta a trilha
impondo
correntes frias abaixo
dos dedos
que saltam
e se comprimem
como garras

pedra
pós
pedra

por mais que andasse
não escaparia
de uma saudade
cravada

em cada árvore
a samambaia
do seu quarto
que não figurou
na fotografia

eu queria registrar
o desenho exato
das sombras
que cortavam
o rosto

no cultivo
cuidadoso
dessa saudade
muito grande
q'eu tento
fazer ruir
os motores
tão rápidos
das lanchas
que atravessam
correndo
essas praias
míticas

as traineras de pescador
como enfeites
exóticos
acumulando algas
de uma paisagem
em luta
contra os rasgos
brancos
das navegações
velozes
são 40 minutos
até Paraty
e o sol de lá
é bem mais quente

os reflexos do rio
jogam
a luz do sol contra
as paredes rochosas
abrindo
portais
ondulantes
jogo de espelhos
impreciso
riscos
inumanos
de uma vida
muito anterior

às curvas
acentuadas
dos grandes
lábios
e um nariz fino
de um perfil
na penumbra
de um abajour

àquelas crianças
que puxam
pequenos barcos
com um barbante
na beira
do mar
e fazem
da minha mesa
de madeira
o posto
de gasolina

ao esforço
tremendo
de plataformas
de perfuração
de poços
válvulas
de aspiração
e compressão
a extrair
das bacias sedimentares

(nas passagens
entre a crosta
e o manto
da Terra
nos limites
entre as placas tectônicas)

o petróleo

a geometria
tridimensional
de uma solidão
se instala
nessas edificações
tremendas

ameaça
o esfumaçado
alvo
da via
láctea

qualquer possibilidade
de encontro
perfeito
entre dois
seres-humanos

todos os coágulos
do corpo
formam um composto
de alicerces
impenetráveis

imposições
paisagísticas
do mais alto grau
de imobilidade
sufocariam

todas as tardes
de incompreensão
vertiginosa
das paredes
ainda não pintadas
do prédio
em construção

única possibilidade
de compreensão
de uma agonia
sem palavras
a roer minhas bases
de extração
energética

minha mudez
preenchida
pelo concreto
armado

dessa viagem
guardo comigo
os selfies
com o menino
caiçara
as folhas secas
q'ele me deu
como pagamento
pelo combustível
e as tentativas
de apreensão
das oscilações das marés
do barulho do rio
da imobilidade ostensiva
das plataformas

o abraço mudo
q'ele me deu
de cabeça baixa
e a mandinga do retorno
com ameixa seca
na beira na última queda
d'água
q'ele ficou de me fazer


terça-feira, 19 de abril de 2016

tem sempre um fio
de suor
que rompe
o silêncio gelado
nos jardins do MAM
a latência 
de um beijo fora
da garganta
ardendo ardendo
ardendo ardendo
sob a acústica 
imprescindível
do vão central
o clamor
a súplica
agonizamos, sim
com um pouco de resignação, sim
as fardas 
(que nos cercam)
não
a luz rubra
(que nos cerca)
não
afogam
hoje
e amanhã
e terça
as vibrações sonoras
em marés
esvaziadas
seca
sob o concreto

pesquisa errática de pés
cambaleantes
sobre pedras
antigas, escombros
passos meândricos 
calor, deslize de mãos

torres cadentes
brilham em assopros
de pó cintilante

andaimes
chacoalhados
deixam poeira
no roçar das costas
ao descerem todos

os etéreos 
mascarados
com a urgência necessária
de seguir

alfaias
baque virado 
batidão
every street lamp that I pass
beats like a fatalistic drum

beats beats
beats beats

o curso da rua
desmembra
fricções
de cheiros cruzados
rumores
de nucas expostas
enxames
de gestos espontâneos
entrega absoluta
a todas as curvas possíveis
torcendo
as 24 vértebras
do crânio
à pelve 
aos pés
aos alicerces

em desenlaces espontâneos
de roupas a menos
panos caem
para construir
o chão 
sinuoso
de um dia seguinte
igualmente 
quente
sujo
e desnudo

diante da janela
que testemunha
tenra
do alto, uns prédios
caídos como panos

as superfícies úmidas
das costas
dos ombros
dos braços
das mãos
o tronco inteiro
a me envolver 
e desenlaçar
também as roupas
mais íntimas
tecidos
epidérmicos

depois das despedidas
sempre abruptas
me movo
ainda
com a leveza das cortinas
das janelas 
entre-abertas
e o puro

prazer atmosférico

sábado, 27 de fevereiro de 2016

To ouvindo alguém me chamar

eu não peço
nenhum teto
que me estanque
desse sol aberto
nenhum teto
pro peso
desse chumbo na saída
do túnel
na beira do morro
pixaram
saudades nando





quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

gongo

Contra as abelhas. Travada a luta contra o pavor. Suas penas coloridas presas sobre o buraco da orelha. Brinco de pena. Pavor cravado no rosto de Clara. Fiapos de pena desfiam uma única voz rompida em pequenos brilhos. Miçangas no chão. Vozes multiplicadas, ruídos de pavão desfeito. Enxame de abelhas ferozes. Ferrão na orelha de Clara. Subtraia a calma o zumbido, a coceira, o formigar dos nervos, a desfibração insidiosa da pele quando experimentava os brincos diante de um pequeno espelho de borda laranja -  artesanato indígena de pavão sintético. Diante do flash do celular da mãe sob a oca mal iluminada, o rosto dela se abria em micro dissociação pixelar. Quanto custa essa pena verde roxa amarelada com missanga? Quanto custa manter todos os fiapos em conjunto coeso diante do espelho? Quanto custa não confundir o brilho da íris com algum brilho de flash pendurado no segundo furo? Arrancaria repetidas vezes o brinco com a violência pontual de uma abelha. Pintaria a pena de sangue. Desconfiaria de todas as vozes ou liquidaria o pavor em em gotas para vender num pequeno conta-gotas azul, não fosse o olhar soturno do macaco enjaulado que pôs a mão pra fora. Roubou o brinco de Clara. Sua paz translúcida distendida num único puxão, a habilidade implacável de roubar penas sintéticas.

O índio avisou pra não encostar na grade. O macaco maior morde. Por isso só aos domingos soltam os macacos, que, no entanto, retornam às segundas com as exatas dimensões de uma resignação de jaula cúbica. 2 por 2. 

domingo, 22 de novembro de 2015

Duas ou três coisas que eu sei dela

mas ela não entenderia
que não se atravessa tempos
como se atravessasse o portão do metrô
ela insistia em demarcar
o ritmo certo de caminhada
no centro do Rio às noites
de sábado
não se anda devagar numa noite
de sábado
não se anda devagar sozinha numa noite
de sábado
essa sua bolsa
cuidado com ela
cuidado, vira ela pra frente
ela quase me puxou pelo braço
pra me explicar
que uma bolsa deve andar sempre
<< trespassada >>
que quando menos se espera
alguém
pode puxar sua bolsa
eu queria dizer a ela
que a subjetividade
não subsiste
como a bolsa
(como a ideia de bolsa fixa
abstraindo-se dela todas as linhas soltas
o azul já meio gasto)
eu queria dizer a ela
que do último plano
esse sim
ela ia gostar
os objetos reluzentes
deitados
numa grama muito verde sob o sol
1966
e o letreiro
f em bleu
i em blanc
n em rouge
mas embora a pronúncia perfeita
irrevogavelmente chic
a Grécia falhou com os desajustados
o presidente falhou com os desajustados
o governador falhou com os desajustados 
o prefeito falhou com os desajustados
a religião falhou com os desajustados
a filantropia falhou com os desajustados 
menores desajustados 
por isso nenhum cuidado é pouco
as bolsas cintilam
na Carioca em noites
de sábado





terça-feira, 10 de novembro de 2015

Carlos, Erasmo 71

ferimentos leves
suspensos
petulantes convenções rochosas
pairam
sobre a voz incessante dos usurpadores tirânicos
infortúnios inumeráveis
[uma fórmula incrível pra o sucesso]
e nada além
das periclitantes ramificações
de um cão
lambendo a página
latindo contra as linhas
esgarçando aos berros
tudo o que a geopolítica jogará
[num gesto de amor]
contra a parede
- símiles
- hieróglifos
- God
- zombaria
- falsário
- mc
- oxímoro
- F for
- mago
-
e nada além
das comoções cinzas







segunda-feira, 9 de novembro de 2015

e seguimos
feito bois
é um consenso
feito bois
repetimos
o consenso
são 1.500 lugares
e não é permitida
a permanência
nas escadas e acessos

atenção aos desníveis
entre
a plataforma e a embarcação
leve cheiro
de mar cortado
pelas janelas abertas
só até a metade

ontem segurei uma pedra
as dimensões exatas
de um coração
suculento
de boi
recém abatido

ontem atravessei
cidades
vi minha sorte
sagitário
minhas apostas todas
perdidas

um beijo se rompeu diante
da roleta
agora fica
cada um na sua
cidade quase frio de 23 graus
segundo o relógio
quebrado anteontem



sexta-feira, 30 de outubro de 2015



Vera K. num piscar de pernas se vira se retorce contra o espelho num piscar de pernas deixa entrever seus vácuos ao homem que segura o pau diante dela e promete esbofetear sua cara e promete abraços e amor com braços rígidos Vera K. abre e fecha as pernas pra que o homem redobre suas promessas multiplique o movimento das mãos enlouqueça os fios de cabelo Vera K. talvez ponha sua calça e deixe ele catatônico diante do espelho a se retorcer em troncos de amendoeiras centenárias riscos de estiletes adolescentes rabiscos de V + X teoremas matemáticos de mutação extrema todas as peles da serpente sob a poeira do chão despencadas o homem de pau duro em esfoliação já não se reconhece enquanto se retorce diante dos vácuos arrepios molhados a espreita de lamber os lábios Vera K. vaginais peludos num piscar de pernas talvez ela saia com pressa atrasada vestida X tem os olhos brancos perplexos o pau despedaçado em folhas sob a poeira a serpente trocou de pele e experimenta um novo ritmo de andar um desequilíbrio de salto - ao descer do elevador vermelho de portas manuais - alto




sábado, 26 de setembro de 2015

no meu sonho
ao contrário
cada um segurava uma arma
de fogo
e atiravam
entre si
ao contrário

balas na boca
é doce o canto de Dorival
o shopping center
parou
alguns sentiram medo
e se deitaram

no chão
os carros dormem
em paz
no estacionamento do quinto andar
o meu sonho
é uma paralisia
ao contrário

de rodas automobilísticas
em sono profundo
uma batida
irrompe
sobre a placidez do cochilo mais leve
do vigia noturno
o celular caiu do colo
em estado
de vibração

uma aflição no peito
um sorriso muito longo
infinito
o arranhão na lataria o canto
de Dorival

ecoando
nos fones de ouvido de quem já dormiu
ao rés da escada rolante

-

os últimos respiros
embaçaram
a vitrine
do outro lado
livros
despencam da estante

os taxistas
aguardam
fregueses com sacolas
plásticas
celulares em punho
fragmentos
de áudio monólogos
intermitentes

convicções
de um cheiro ruim
levantam
presságios de mau
humor engarrafamento
no Aterro

riste












a senhora de meia idade pega o ônibus direção Centro
o casal de adolescentes segue direção Copacabana
eles encontram restos de coroas de flores
cantam As Pastorinhas e dançam balançando os galhos a pé pelo túnel velho

uma multidão de aquários sobrepostos
sobrevoa
o rosto da senhora de meia idade
reclama do calor da falta
de proteção
no ponto de ônibus
de costas para o longo paredão
deserto
do cemitério São João Batista
ela teme um novo
arrastão

de peixes solares
feixes de luz
e calor
sobre
sua pele porosa
um sinal vermelho
pisca
relembra o rosto
dos parentes
que já não figuram mais
por completo
cavidades circulares
escamas negativas
perfuram
as faces desfiguradas
pela falta

ela teme
o arrastão
da memória elíptica os saltos
de imagem
os jump cuts
denunciam
a impossibilidade de conter as paredes coesas
os vidros límpidos
os rabos de peixe
as línguas
se debatendo contra as arestas
a íris
dos olhos fechados dos dois adolescentes
com camisa escolar do estado
do Rio de Janeiro bandeira branca e azul
a se beijarem
enquanto o sol queima a todos
e os aquários não desabam
com a violência abrupta
das curvas côncavas

e convexas
de uma conversa entre duas pessoas
dominadas
por certezas
a se debaterem
sobre a dúvida monstruosa
qual é o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite?
mas os adolescentes aprenderam
na aula de História
que toda a forma de vida será
fuzilada
mas depois dos beijos
e mais beijos
e das mãos
e mais mãos
<< não sem ironia >>
eles ensaiam formas de morte

e se fingem de alunos exemplares
as colunas eretas na carteira
caligrafia perfeita
ortografia impecável
e se disfarçam de ratos
rasteiros
pestíferos
tuberculosos
de gestos precisos
e ficam de quatro como
se tivessem os pés já furados
pela verdade!
pelo pelotão de fuzilamento!
e ensaiam métodos de correr por baixo
brincam de morto vivo
vivo!
morto!
e pulariam corda não fosse
o olhar assustado da senhora
escamada
com a coloração exata
de falésias alagoanas
pelos anos corridos
o tempo
assaltado
as rugas em decomposição

voa
uma rajada de areia
véu movente
arrastão
que em elevações ondulares
perfura
meus olhos quase caio das duas rodas que não são nem quatro
nem dois, nem três pés

ou patas








domingo, 21 de junho de 2015

parte IV

é manhã
de domingo
e
uma bomba de efeito moral
explode
no pé de um
mascarado
em pleno desfile
militar

no beco
apenas um muro
sobre ele
a polícia
ante ele
meu corpo
a rigidez dos ossos
contra
a rigidez do concreto
minha roupa preta
contra
a parede branca
escuta o corpo ranger
enlaçar
refluir
em silêncio
e os olhos incrustados
na parede
os homens do choque passam por nós
em silêncio
e os olhos incrustados
nos escudos

às cegas
não nos vemos
mas
trepidamos juntos
em suporte-medo-agitação-micro-celular
água fervente
em
estado de evaporação
preparando a chuva
que molhará
todos os corpos despedaçados
que
insistem
numa grande festa
ácida
sob o som
de helicópteros
erigidos
sobre os arcos

perdi de vista
o meu amigo
mascarado
entre tantos
mascarados

enquanto
levava
uma fratura exposta
nem percebeu
as outras balas
que perfuravam
seu suporte-carne

ele também
se perdeu
de vista
perdeu
os pés
de vista

um policial
quebra uma câmera
diz
é proibido filmar
o show
não adianta
buscar
no youtube
os membros perdidos

ele percorre
imóvel
suas imagens pixeladas
tenta
relembrar
uma grande festa
de corpos
partidos
em cacos
caindo
incessantemente

progressiva
aproximação
dos termos em
oposição
todas as mediações
serão
fracassadas

um mito
deve ser
alucinado e rigoroso
como
meninos de rua se jogando contra
tapumes

pela pura aberração
dos
escândalos lógicos
mascarados queimam
todo o lixo
do Leblon

"línguas estranhas em profusão
exclamações de dor, acentos de ira
gritos, rangidos e bater de mão"

é domingo
na Presidente Vargas
o instante
encosta
aflição secreta
o ar
está crispado
afundo
uma guimba de cigarro
no seu suporte-pele
perdi a esperança
de subida
e não estamos
caindo
incessantemente?

"a fera hedionda, que te pôs chamando
não franquia a ninguém sua estrada
e a quem encontra, nela vai matando"

mansamente
como
quem queima o braço com a guimba
de cigarro
já são cinco caveirões
e não podemos
sair daqui
ao passo
que
nossos corpos
são
ligeiramente amputados
como as sombras
que essas chuvas
derrubam
são
a prática
de uma filosofia
prática
o mito
tão secreto
escancarado
fratura exposta no suporte-fêmur
o amor
é uma forma de truculência
ele dizia
antes de balear os tímpanos
o globo
ocular

apesar do irremediável
tombo
na Cinelândia
um mascarado
entre tantos mascarados
estende a mão
ergue
um corpo caído
corre
apesar
dos 45 presos na noite de ontem
uma terrível festa
corrosiva
continua
a latejar nos discos
rompidos
da coluna
vertebral



terça-feira, 16 de junho de 2015

parte III

os ombros
rígidos
as pedras
polidas
ele segue
se
lança
em suporte-cúbico-esburaca-chão
mais uma imagem noturna
ruidosa

ele
(o meu amor)
é fitado
ao longe
por um gato
ou drone
aéreo
temido
por um gato
ou drone
aéreo
um vulto
ágil
como gato
ou drone
aéreo
irreconhecível por mim

hoje choveu
muito
e ainda chove
nas espraiadas
embaça
o streaming
impressionista
a confusão de corpos
guarda-chuvas
pretos
borrados
por Renoir
encharca
os acessos ao
Maracanã
uma bolsa
de líquido amniótico
estourada
em bile

bateu
uma onda forte
aqui
ninguém sabe de nada
enrola um pano
no rosto
se esconde
em cima do poste

o amor
é truculento
ele dizia
em outras palavras
com uma arma apontada
e armaduras de robô
gritava:

"corre, piranha"

medroso
Ulisses
de mãos ocupadas
não podia
tampar o ouvido
gritava
muito alto
(para não sucumbir)
ao canto
trincado
da nossa festa
ao amanhecer

sorte, não haver o que segure
som
a nossa festa
é uma grande festa de gestação
de estouros
de bolsas
de líquido
amniótico
vestimos preto
e celebramos
bêbados
do alto da lage
o lodo uterino derramado
a impossibilidade
de sair 

estamos presos
em plena
festa
e Ulisses
do lado de fora
nos ama tanto
e com tanta truculência
baleia
os próprios
tímpanos
e
com as duas balas que restam
o próprio globo
ocular

celebramos
com música alta
também o luto
de Ulisses
suporte-alvo-de-suporte-cúbico-esburaca-chão
nosso inimigo
querido se perdeu
em armaduras
para não derramar
junto
pelas frestas
dos copos quebrados
corpos
caindo
chuvosos
nas espraiadas

domingo, 24 de maio de 2015

parte II

e Márcia é a imagem
de uma camisola branca
em 35 milímetros
sub-reptícia
amarra
em correntes finíssimas de um metal prateado
cada copo, um lastro
do seu corpo espectral

arrebata a cena
o timbre
das vozes inaudíveis
dos desaparecidos
Carol é imagem
e é som

os desaparecidos estão
por vir
e a nossa festa
é uma grande festa
de boas vindas

sobre o terraço
um corpus
movente reptiliano
rebola como sopa
de enguias frescas
respingos

Carol sobe o short
que insiste em
cair
Carol se auto-intitula
Bandida, diz:
bateu uma onda forte

não chove ainda
mas sentimos
concretamente
um sereno gelado
respingos
de suor
ou um fluído
irreversível
de sedimentação

Márcia registra
pequenas erosões
imagens invisíveis
da terra
ela corta o cabelo
com uma tesoura
enferrujada
de jardinagem
corta
as plantas murchas
as folhas secas
os galhos quebradiços
(com uma tesourinha menor)
as unhas
das mãos
as unhas
dos pés
as peles
mortas
um crime é silenciado
na padaria mais quente da baixada
no seu sismógrafo
bateu, já avisava Carol

uma onda forte
movimentações
sigilosas
de terrenos
estrondos encarnam
todas as sugestões
da imagem granulada
de Márcia em preto e branco

"larguei a família
a escola, você sabe
vou perder os amigos
se prostituir faz parte
com um copo
de guaravita
eu fico suave"

Carol é luxúria
um fantasma sensual
de banhas oscilantes
pintado por Bruegel
numa festa de arruaça

"agora o baile virou boite"
pode se soltar
solta a purpurina"

Márcia atravessa o palco
de velocípede
transforma
um concerto "Winter music"
em
"Música para dois velocípedes e pianos"

Márcia brinca de bonecas
com 28 caminhas
compõe
uma suruba infantil
imagens de Kaminhas Sutrinhas
dignas
de Bruegel
duplas e trincas movimentam
seus suportes plástico-parafuso-pilha
conectados por
correntes finíssimas de metal prateado
dão voos rasantes
gargalham
como só um adulto capaz
de gargalhar
em estado
de ereção

Márcia é cirúrgica
com sua camisola
branca
embora
semi transparente
entremeia
as correntes finíssimas de metal prateado
com pequenas coroas
de santos católicos

recolho os fios
da aparelhagem de som
tossindo
gás lacrimogêneo
despejando
lágrimas
coçando a vista
embaralhando
a imagem da fotografia

já não sei se é ela
que puxa
as correntes finíssimas
derruba
todos os copos que dispôs
meticulosamente
em torres mal equilibradas

se sou eu que prendo
as coroas de santo como brincos
no suporte-orelha-destrutiva
me desloco
lânguida
cabelos soltos
e alguns fios arrastando pelo chão

peço que me bebam
não posso
mais fugir dos imperativos
publicitários
duas por cinco
se prostituir faz parte

lá onde sou
suporte líquido
torno o chão escorregadio
será que esses contornos
imprecisos
são
capazes
de gargalhar
em estado
de exceção?

e não estamos caindo
incessantemente?
e não estamos caindo
no fluir violento de uma chuva sobre
os guarda-chuvas dos ambulantes
pontuais?
e não estamos jogando
nossos próprios suportes-corpo-menino-de-rua-mascarado
violentamente
contra
tapumes
só pra cair mais violentamente ainda?
e não estancaremos como estalactites?
com um punho cerrado em um concerto "Winter Music"?

a fotografia é o rastro
do corpo que se foi
cabelos molhados
brincos
e derrubou
todos os copos
e se deixou no chão
sob os helicópteros
erigidos
sobre os arcos

a nossa festa
é ruína
de imagem e som
captada por mãos
trêmulas
câmeras de baixa
resolução


quarta-feira, 13 de maio de 2015

parte I

já são mais de dez caveirões
passando
de raspão
já cinco balas
atravessam
o suporte-corpo 
(eu não estava lá)
continuo a correr entre
máscaras meninos
de rua
à despeito de todos os helicópteros
fizemos 
uma grande festa de refugiados
sem wi-fi

os meninos da lage acima oferecem cocaína
e jogam
pedras na polícia 
eu não estava lá
e Márcia assume o bar
despeja um líquido 
em todos os mil copos
peço que me bebam
o colapso
já se deu discretamente
irremediável
é um disfarce indiscreto
e provisório
esse suporte-pele
vestido de preto
fotografado
vendendo cerveja no bar

nossa festa é
uma grande festa de despedida
ainda que angustiados
dançamos
sob os arcos
até as cinco da manhã 
sobretudo
sem saber
se o comércio abre
se os lojistas chegam mesmo
às sete da manhã

se de repente um estrondo
dois copos se quebram
com dois estrondos
muito mais barulhentos
que hélices passos corridos caixa 
de som

ainda dançamos
ainda que com algum pudor
da nossa desmedida 
alegria
é que não sabemos mesmo
se os ônibus já voltaram 
a circular

não estamos caindo
incessantemente?
minha mucosa escorria
entre os copos derramados
os cacos

alguns amigos
ainda escondidos nas beiradas
dão pequenos voos rasantes 
sem medo de se perder
em corpos estranhos
suportes-abelhas-caga-fogo

os policiais já dormem
e estamos todos tão tontos
e em tantos pedaços no chão
e não estamos caindo incessantemente?



quarta-feira, 29 de abril de 2015

O primeiro segredo dito a Vênus

embora os seios
à mostra
waiting for
saltarem das suas
dimensões perfeitas embora
bi
dimensionais

(na biblioteca
a anatomia geral
do desespero
informa
a dureza exata
do mármore)

waiting for
novas traduções
das últimas versões
escavadas
por arqueólogos
das ilhas grego
arcaico

(físicos calculam
desesperados com base
na anatomia geral
do desespero
a força exata
dos golpes de martelo)

embora a brancura
luminosa a fixidez
desagradável
da tela
waiting for
procuro
acariciar

(o escultor talhava
às cegas temia
desesperadamente
o desenlace espontâneo
da sua venda de metal)

o segredo
mal
pronunciado
mal traduzido
ainda ressoa em
longínquas
vibrações de grego
arcaico

(filólogos e
biógrafros
desvendam
os diagnósticos
de esquizofrenia em remissão
do escultor amarrado
em camisas
de força)

(historiadores da
arte
classificam
todos os materiais
brutos)

(embora a extensa
taxonomia
não consta
em nenhum dos catálogos
o desespero de
um escultor
por um mínimo descuido
involuntariamente
desvendado)

com a força calculada
de um furto
impiedosamente
pelo colar
arranco - this page could not be
found - venus
dessa tela talho
um corpo inteiro

waiting for
o ocaso
gargalhamos juntas
esparramadas
de todos os mitos
modernos

uma inversão ontológica
de toda a realpolitik será
a exposição relaxada
dos nossos seios desnudos
em Copacabana
sob o sol

às tropas de choque
aos sociólogos
aos vendedores ambulantes
guardas e jornalistas, ela disse
não vista!
um mito de sutiã

quarta-feira, 15 de abril de 2015

heterocronia

essa rua sempre dá um nó
se direita ou
esquerda se
finjo que não vejo
ou
me viro na direção dele que
meio desengonçado
eu sei
vem em minha direção quer
saber onde é
a rua Dois de Fevereiro
sigo
em direção ao mês passado dia dois

dia dois quase
caí
da bicicleta quando
me dei conta da
anacronia
absurda do vendedor de vassouras piaçava com suas madeiras empilhadas
amarradas em corda de
barbante

mais parecia um
lenhador dos contos
infantis
mais fantástico só o cara que
suspendeu o susto cortou meu devaneio disparou
no sinal da Barata Ribeiro meu
segundo quase tombo
dessa vez com fluxo intenso de carros ônibus pedestres final
de tarde

o vendedor de samambaias mais que
anacrônico
absurdamente era
um jardim suspenso
um corpo planta em movimento sem
derrubar
nem um punhado de terra

maracanã é um rio
abortado
espraiado em avenidas
o próprio nó

maracanã é um estádio
abortado
espraiado em avenidas
o próprio nó

maracanã é uma aldeia indígena
abortada
espraiada em avenidas
o próprio nó

uma torcida ensandecida
quase
derruba o anacrônico par exellence
Palácio da Guanabara

uma torcida ensandecida
quase
me derruba de vez diante do
choque

uma torcida ensandecida
quase
derruba penteu diante de
zeus

dia dois atrasada corro tanto
quase
tropeço em estilhaços samambaias
piaçavas tapumes quebrados

corro tanto dia dois
quase
desequilibro
caio ao lado do metrô no canal
maracanã

do outro lado da cidade algum
dia dois de fevereiro zona oeste
caiu
numa quarta-feira
os vizinhos conversam baixo sentados em cadeiras de
praia
na calçada trânsito desordenado de motos bicicletas e
estranhos veículos blindados

uma confissão súbita
ou sussurro inaudito antes de

essa rua sempre dá um nó
se direita ou
esquerda
desço ao metrô ou
amarro minha bicicleta apressada com
barbante
corro e sem olhar pro chão digito

uma confissão súbita
ou sussurro inaudito antes de

o subsolo de uma galeria na Nossa Senhora de Copacabana
resguarda
o Cine Jóia com trinta lugares
quinze
pessoas cansadas do trabalho ou
da falta de trabalho
assistem
às 20:45
segunda feira dia dois
uma ficção científica do
presente












terça-feira, 7 de abril de 2015

das locomotivas abandonadas no deserto de sal, da poeira levantada pelo pneu do bugre, das minhas unhas sujas, das marcas de todos os carros em linhas curvas, da maquiagem esquecida na bolsa, da garrafa de rum pra mais tarde, do nosso rolé noturno pra fumar, do bar com vinis na parede, do cara que bebe duas a cada dose vendida, do cara que aponta saturno ao casal de americanos, do que se revela ao piscar da luz vermelha, dos escritos com o único galho encontrado, dos escritos apagados com o vento, dos sobrescritos com o pé, da cárie manifesta em dor, da dor não diagnosticada, dos dentes amarelos do motorista também fumante, das milumestórias que ele conta pontuando com os dedos, da curiosidade total sobre o papo das alemãs, da suspeita de sede na garganta delas, do vermelho recortado pela janela, do incômodo da cutícula inflamada sob o tênis fosforescente, da unha ruída até o sabugo, da maquiagem já perdida na bolsa, da maquiagem coberta de areia, da água salina que não mata sede, da garrafinha de plástico 1 dólar, do gaguejar do portunhol, do sonho de nós dois fugindo da polícia - mesmo no deserto, o seu celular gravou um aperto no abdômen

, eu perguntava se era possível um plano de cinema câmera fixa enquanto tropeço na escada irregular se estamos mesmo lá diante do coelho de laboratório que você insistiu em fotografar enquanto não foge qual o sentido de viajar assim colado na pele,

do fotômetro desregulado, da oscilação das nuvens, da dúvida entre tirar ou pôr o casaco, da comida mal descongelada, do fone do ouvido esquerdo quebrado, das falhas no sinal da operadora latino americana, da dificuldade de enquadrar a montanha e a laguna inteiras numa só foto, da vista apertada pelo sol, da lente suja do óculos escuro, dos golpes brutos da cadeia hoteleira erguida sobre a areia, das placas de sinalização, da avenida imaginária traçada pela comitiva do embaixador, dos seus seis carros blindados em fila indiana, das tentativas de conversa com o vendedor de artesanato local, do burburinho das línguas indígenas, da desconfiança de um "sí, sí" hesitado, do medo de se perder lá por perto dos cactos, dos sósias em treinamento pro super produzido desastre, da sua cara de susto, dos seguranças da comitiva do embaixador, do que se revela com o piscar da luz vermelha, do sonho de nós dois fugindo da polícia - mesmo no deserto, o seu celular gravou






quarta-feira, 1 de abril de 2015

um corpo mutilado em azulejos azul e branco no apartamento do Arpoador pequenas formigas caminham entre os vasos de flor diante da janela prenúncio de murchar o pianinho de criança o biscoito molhado de café o meu colar de barro pintado também de azul propositadamente esquecido no caminho das formigas de repente elas passam sobre um céu

                                  apontado pra cima
                                  apontado pra cima
                                  apontado pra cima

                                                                  campainha as crianças chegam correm mais que as formigas as formigas se espantam não podem mergulhar no céu que é de um barro já muito sólido quebro o barro em mosaico? não foram à praia hoje? uma reunião de trabalho infinita em pleno domingo estou com fome não posso perder a hora disseram que comer formiga faz bem pra vista fala com a vóvó! se eu tivesse ao menos dormido e ainda preciso ler meia dúzia de tratados estéticos cadê o manifesto? depois navalha relógio matéria de jornal exposição um toque de celular vibra no silencioso as frestas entre os azulejos eliminadas as frestas entre os botões do teclado eliminadas uma parede única o corpo se dissolve os azulejos viram qqr coisa entre o azul e o branco qqr coisa onde se possa nadar mergulhar boiar tranquilamente sobre os mortos morrer é melhor que calmante ela dizia morrer ponte trampolim nadar entre os corais os corais são vivos há três mil anos nem parece

um corpo mutilado em azulejos azul e branco no apartamento do Arpoador formigas enfileiradas caminham entre os vasos de flor prenúncio de murchar o pianinho da criança meu pingente de barro pintado também de azul o mar envidraçado do outro lado da janela se o pingente cai no caminho das formigas entre um vaso e outro ao lado da xícara do café já frio passam em fileiras sobre um céu já frio

      apontado pra cima
      apontado pra cima
      apontado pra cima

                                    carniceiras procuram restos mortais de insetos antepassados ou o farelo do biscoito campainha as crianças correm mais que as formigas nem reparam o corpo em quadrados os azulejos que me tiram o apetite me tiram da reunião me tiram da discussão sobre direitos autorais me tiram das teclas dissolver esse açucar esse azul e branco esses pedaços de corpos esse pingente de barro quebrado essa cabeça cortada erguida por uma mulher dissolver tudo nós e os lap tops em recifes nesse domingo azul de frente pro mar no apartamento do Arpoador horário de luz natural do Pacífico no tempo exato de um esbarrão no pianinho


domingo, 22 de março de 2015

rendeu dois poemas
a neurose de domingo a preguiça de estudar

esse não saber nunca quando o verso termina

se ojeriza ou se
estanca logo essa
ausência esse des-
vio de cabeça esse
desdobramento de
bilhete
esse dissimu-
lar vazio


nem que fosse um tropeço
um tombo na saída do
ônibus nem que molhasse
de água suja da poça meu vestido
longo estampado de verão já
nesse fim de
março
nem que doesse um segundo tombo
um terceiro ou quarto
um vídeo em looping
de um corpo desengonçado que
no rec do vhs da minha infância volta
em câmera lenta ao topo da escada pra
depois se estupefar, mais duas ou
três vezes como a fala que
de tanto, decorei
preferia




quarta-feira, 11 de março de 2015

Istambul


daquela barca lotada
no final da tarde
retive, entre outros esbarrões
seus olhos pintados
o pano verde que cobria
o cabelo preto, o corpo inteiro
os sapatos gastos, os pés
o lápis de olho
não me deixou decifrar
a estampa confusa
será que ela pensava no roxo
meio vinho, meio mordido
da minha boca machucada de frio?
do nosso diálogo de reflexo de vidro
retive dois espantos e o esquecimento
de uma luva caída no chão
ela, que nem percebeu
já abarcava ao seu bairro natal
eu, que pisava à Ásia pela primeira vez


eu, meu irmão e o semi desconhecido que nos acompanhou a viagem inteira sentamos na pedra mais larga procurando fotografias óbvias
as ruínas sob o pôr do sol
os pescadores, as burcas
as ciranças, sempre as crianças
quanto vazio na minha gaveta
que não tem aquele olhar registrado
o corpo nu da mulher de pano verde
o cheiro do pano verde, do cabelo preto
da festa de domingo com a vizinhança do bairro
da comida da mãe dela, do tempero de hortelã
é como se eu nem visse
como se eu nem cheirasse
como se eu nem ouvisse
como se eu nunca tivesse tocado
enquanto procuro entre
caravelas
cientistas
baleeiros de alto mar
tecnologias descartáveis
drones aéreos
computadores
alcoólatras
amarras
plásticos pretos rasgados
apontamentos
ordens
alarmes
citações
estoques de roubos
de furtos
de naufrágios
de piratas
breques
âncoras
armas
bêbados
a sintaxe exata
daquele olhar escrito
com lápis de olho
da minha boca pintada
de batom
de nós duas do outro lado do mundo
o café frio escorrendo escorrendo pelo ralo

terça-feira, 10 de março de 2015

duas notícias de jornal

não me acalma a água
na leitera não me acalma
a faísca não me acalma
do fósforo fiat lux
não me acalma a chama
não me acalma o fogo incandescente
da cozinha quando apago a luz
não me acalma
a ebulição, burburinho
não me acalma calor
do bule para a xícara para a pele
não me acalma bolhas
o cheiro de chá não
nem as mãos aquecidas
500 policiais cercaram o ato de hoje
no vão livre do MASP
não posso não falar, não
posso não falar, não posso
do capim de erva cidreira

não me aquece
acalento de mãe sobre menino morto
acalento calmaria
camomila
calcinha cálcio
carona camisa
casa
caçada aos comunistas
ácido godard

vapor de chá
bule
chá
bolhas
calor
quente
ferver
água
estado
físico
maldito

queima
minha mão
derrubada
tapume
revolução
revolta celular
H2O



sexta-feira, 6 de março de 2015

que lou reed morreu

eu sabia, há meses atrás,

como soube tantas coisas

eu sabia

mas quando ouvi na voz dela

com sotaque de portugal

senti a morte pairar suave

como um ruído

nas 3.566 fotografias do google imagens

sendo 3.505 repetições e edições da morte a me encarar mesmo que

de óculos escuros, braços cruzados

preto e branco, nada keep me

hanging on






sujeira da casa, louça na pia,

balde, aspirador de pó,

à postos na cozinha, as roupas

pingando gotas geladas

com lentes 55-135 dou zoom na obra

estapafúrdia, eles descansam

penso em oferecer água

um copo caiu no chão quase

(mas não só)

quebrou

o cotidiano é quase e é

demais pra mim

meu corpo fosse copo

quebraria brando

silencioso sem sabotar

o bat cum pontual

a partir das 8:30

esses homens de capacete azul

suor e descansos breves