extraiu com delicadeza todos os fios do estômago. ela não deveria mais se esconder da gula. babava. grandes gotas de baba. sua boca talvez nunca mais se fechasse. era árida a baba que escorria. eram fios vermelhos. um grito talvez ainda escoasse em paredes distantes. mas por aqui só silêncio e baba. por aqui a duração de uma pausa. o infinito entre zero e um é maior que o infinito dos números inteiros. no futuro, talvez a sua baba fosse matematicamente mensurável. contar as gotas era fácil, mas o fluxo ininterrupto que aos poucos se estabelecia impossibilitou a conta logo nos primeiros dias. se haveria ainda baba fresca nos próximos anos, ela não sabia responder. um policial ordenou que fechasse a boca. avisaram a ele que poderia ouvir a voz dela em distantes paredes por onde batia seu eco nesse exato momento. o policial saiu em disparada mas nunca encontrou a parede porque esqueceram de avisar que a sirene do seu carro abafaria o som. o policial nunca mais voltou e uma frota de policiais foi enviada para apreendê-lo. por toda a cidade se ouvia o som das sirenes. o corpo de bombeiros aderiu à busca. as paredes multiplicavam as notas das sirenes somadas. a baba continuou cada vez mais espessa. os carros corriam dia e noite, a não ser quando nem mesmo a sirene perfurava o bloqueio do engarrafamento. ouviram dizer que havia um sorriso deformando a boca aberta. talvez fosse uma risada aquilo que ecoava por baixo das sirenes. o primeiro policial sequer tocou a baba antes de sair em busca da mensagem distante que a incriminaria. tudo porque viu uma mulher de dentes expostos, líquidos soltos. talvez fossem muitas bocas abertas e altos decibéis de gargalhada. a gula era altíssima e os homens corriam. não sabiam escutar uma mulher.