quinta-feira, 9 de junho de 2016

extraiu com delicadeza todos os fios do estômago. ela não deveria mais se esconder da gula. babava. grandes gotas de baba. sua boca talvez nunca mais se fechasse. era árida a baba que escorria. eram fios vermelhos. um grito talvez ainda escoasse em paredes distantes. mas por aqui só silêncio e baba. por aqui a duração de uma pausa. o infinito entre zero e um é maior que o infinito dos números inteiros. no futuro, talvez a sua baba fosse matematicamente mensurável. contar as gotas era fácil, mas o fluxo ininterrupto que aos poucos se estabelecia impossibilitou a conta logo nos primeiros dias. se haveria ainda baba fresca nos próximos anos, ela não sabia responder. um policial ordenou que fechasse a boca. avisaram a ele que poderia ouvir a voz dela em distantes paredes por onde batia seu eco nesse exato momento. o policial saiu em disparada mas nunca encontrou a parede porque esqueceram de avisar que a sirene do seu carro abafaria o som. o policial nunca mais voltou e uma frota de policiais foi enviada para apreendê-lo. por toda a cidade se ouvia o som das sirenes. o corpo de bombeiros aderiu à busca. as paredes multiplicavam as notas das sirenes somadas. a baba continuou cada vez mais espessa. os carros corriam dia e noite, a não ser quando nem mesmo a sirene perfurava o bloqueio do engarrafamento. ouviram dizer que havia um sorriso deformando a boca aberta. talvez fosse uma risada aquilo que ecoava por baixo das sirenes. o primeiro policial sequer tocou a baba antes de sair em busca da mensagem distante que a incriminaria. tudo porque viu uma mulher de dentes expostos, líquidos soltos. talvez fossem muitas bocas abertas e altos decibéis de gargalhada. a gula era altíssima e os homens corriam. não sabiam escutar uma mulher. 

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