domingo, 21 de junho de 2015

parte IV

é manhã
de domingo
e
uma bomba de efeito moral
explode
no pé de um
mascarado
em pleno desfile
militar

no beco
apenas um muro
sobre ele
a polícia
ante ele
meu corpo
a rigidez dos ossos
contra
a rigidez do concreto
minha roupa preta
contra
a parede branca
escuta o corpo ranger
enlaçar
refluir
em silêncio
e os olhos incrustados
na parede
os homens do choque passam por nós
em silêncio
e os olhos incrustados
nos escudos

às cegas
não nos vemos
mas
trepidamos juntos
em suporte-medo-agitação-micro-celular
água fervente
em
estado de evaporação
preparando a chuva
que molhará
todos os corpos despedaçados
que
insistem
numa grande festa
ácida
sob o som
de helicópteros
erigidos
sobre os arcos

perdi de vista
o meu amigo
mascarado
entre tantos
mascarados

enquanto
levava
uma fratura exposta
nem percebeu
as outras balas
que perfuravam
seu suporte-carne

ele também
se perdeu
de vista
perdeu
os pés
de vista

um policial
quebra uma câmera
diz
é proibido filmar
o show
não adianta
buscar
no youtube
os membros perdidos

ele percorre
imóvel
suas imagens pixeladas
tenta
relembrar
uma grande festa
de corpos
partidos
em cacos
caindo
incessantemente

progressiva
aproximação
dos termos em
oposição
todas as mediações
serão
fracassadas

um mito
deve ser
alucinado e rigoroso
como
meninos de rua se jogando contra
tapumes

pela pura aberração
dos
escândalos lógicos
mascarados queimam
todo o lixo
do Leblon

"línguas estranhas em profusão
exclamações de dor, acentos de ira
gritos, rangidos e bater de mão"

é domingo
na Presidente Vargas
o instante
encosta
aflição secreta
o ar
está crispado
afundo
uma guimba de cigarro
no seu suporte-pele
perdi a esperança
de subida
e não estamos
caindo
incessantemente?

"a fera hedionda, que te pôs chamando
não franquia a ninguém sua estrada
e a quem encontra, nela vai matando"

mansamente
como
quem queima o braço com a guimba
de cigarro
já são cinco caveirões
e não podemos
sair daqui
ao passo
que
nossos corpos
são
ligeiramente amputados
como as sombras
que essas chuvas
derrubam
são
a prática
de uma filosofia
prática
o mito
tão secreto
escancarado
fratura exposta no suporte-fêmur
o amor
é uma forma de truculência
ele dizia
antes de balear os tímpanos
o globo
ocular

apesar do irremediável
tombo
na Cinelândia
um mascarado
entre tantos mascarados
estende a mão
ergue
um corpo caído
corre
apesar
dos 45 presos na noite de ontem
uma terrível festa
corrosiva
continua
a latejar nos discos
rompidos
da coluna
vertebral