sábado, 26 de setembro de 2015

no meu sonho
ao contrário
cada um segurava uma arma
de fogo
e atiravam
entre si
ao contrário

balas na boca
é doce o canto de Dorival
o shopping center
parou
alguns sentiram medo
e se deitaram

no chão
os carros dormem
em paz
no estacionamento do quinto andar
o meu sonho
é uma paralisia
ao contrário

de rodas automobilísticas
em sono profundo
uma batida
irrompe
sobre a placidez do cochilo mais leve
do vigia noturno
o celular caiu do colo
em estado
de vibração

uma aflição no peito
um sorriso muito longo
infinito
o arranhão na lataria o canto
de Dorival

ecoando
nos fones de ouvido de quem já dormiu
ao rés da escada rolante

-

os últimos respiros
embaçaram
a vitrine
do outro lado
livros
despencam da estante

os taxistas
aguardam
fregueses com sacolas
plásticas
celulares em punho
fragmentos
de áudio monólogos
intermitentes

convicções
de um cheiro ruim
levantam
presságios de mau
humor engarrafamento
no Aterro

riste












a senhora de meia idade pega o ônibus direção Centro
o casal de adolescentes segue direção Copacabana
eles encontram restos de coroas de flores
cantam As Pastorinhas e dançam balançando os galhos a pé pelo túnel velho

uma multidão de aquários sobrepostos
sobrevoa
o rosto da senhora de meia idade
reclama do calor da falta
de proteção
no ponto de ônibus
de costas para o longo paredão
deserto
do cemitério São João Batista
ela teme um novo
arrastão

de peixes solares
feixes de luz
e calor
sobre
sua pele porosa
um sinal vermelho
pisca
relembra o rosto
dos parentes
que já não figuram mais
por completo
cavidades circulares
escamas negativas
perfuram
as faces desfiguradas
pela falta

ela teme
o arrastão
da memória elíptica os saltos
de imagem
os jump cuts
denunciam
a impossibilidade de conter as paredes coesas
os vidros límpidos
os rabos de peixe
as línguas
se debatendo contra as arestas
a íris
dos olhos fechados dos dois adolescentes
com camisa escolar do estado
do Rio de Janeiro bandeira branca e azul
a se beijarem
enquanto o sol queima a todos
e os aquários não desabam
com a violência abrupta
das curvas côncavas

e convexas
de uma conversa entre duas pessoas
dominadas
por certezas
a se debaterem
sobre a dúvida monstruosa
qual é o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite?
mas os adolescentes aprenderam
na aula de História
que toda a forma de vida será
fuzilada
mas depois dos beijos
e mais beijos
e das mãos
e mais mãos
<< não sem ironia >>
eles ensaiam formas de morte

e se fingem de alunos exemplares
as colunas eretas na carteira
caligrafia perfeita
ortografia impecável
e se disfarçam de ratos
rasteiros
pestíferos
tuberculosos
de gestos precisos
e ficam de quatro como
se tivessem os pés já furados
pela verdade!
pelo pelotão de fuzilamento!
e ensaiam métodos de correr por baixo
brincam de morto vivo
vivo!
morto!
e pulariam corda não fosse
o olhar assustado da senhora
escamada
com a coloração exata
de falésias alagoanas
pelos anos corridos
o tempo
assaltado
as rugas em decomposição

voa
uma rajada de areia
véu movente
arrastão
que em elevações ondulares
perfura
meus olhos quase caio das duas rodas que não são nem quatro
nem dois, nem três pés

ou patas