a senhora de meia idade pega o ônibus direção Centro
o casal de adolescentes segue direção Copacabana
eles encontram restos de coroas de flores
cantam As Pastorinhas e dançam balançando os galhos a pé pelo túnel velho
uma multidão de aquários sobrepostos
sobrevoa
o rosto da senhora de meia idade
reclama do calor da falta
de proteção
no ponto de ônibus
de costas para o longo paredão
deserto
do cemitério São João Batista
ela teme um novo
arrastão
de peixes solares
feixes de luz
e calor
sobre
sua pele porosa
um sinal vermelho
pisca
relembra o rosto
dos parentes
que já não figuram mais
por completo
cavidades circulares
escamas negativas
perfuram
as faces desfiguradas
pela falta
ela teme
o arrastão
da memória elíptica os saltos
de imagem
os jump cuts
denunciam
a impossibilidade de conter as paredes coesas
os vidros límpidos
os rabos de peixe
as línguas
se debatendo contra as arestas
a íris
dos olhos fechados dos dois adolescentes
com camisa escolar do estado
do Rio de Janeiro bandeira branca e azul
a se beijarem
enquanto o sol queima a todos
e os aquários não desabam
com a violência abrupta
das curvas côncavas
e convexas
de uma conversa entre duas pessoas
dominadas
por certezas
a se debaterem
sobre a dúvida monstruosa
qual é o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite?
mas os adolescentes aprenderam
na aula de História
que toda a forma de vida será
fuzilada
mas depois dos beijos
e mais beijos
e das mãos
e mais mãos
<< não sem ironia >>
eles ensaiam formas de morte
e se fingem de alunos exemplares
as colunas eretas na carteira
caligrafia perfeita
ortografia impecável
e se disfarçam de ratos
rasteiros
pestíferos
tuberculosos
de gestos precisos
e ficam de quatro como
se tivessem os pés já furados
pela verdade!
pelo pelotão de fuzilamento!
e ensaiam métodos de correr por baixo
brincam de morto vivo
vivo!
morto!
e pulariam corda não fosse
o olhar assustado da senhora
escamada
com a coloração exata
de falésias alagoanas
pelos anos corridos
o tempo
assaltado
as rugas em decomposição
voa
uma rajada de areia
véu movente
arrastão
que em elevações ondulares
perfura
meus olhos quase caio das duas rodas que não são nem quatro
nem dois, nem três pés
ou patas
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