domingo, 24 de maio de 2015

parte II

e Márcia é a imagem
de uma camisola branca
em 35 milímetros
sub-reptícia
amarra
em correntes finíssimas de um metal prateado
cada copo, um lastro
do seu corpo espectral

arrebata a cena
o timbre
das vozes inaudíveis
dos desaparecidos
Carol é imagem
e é som

os desaparecidos estão
por vir
e a nossa festa
é uma grande festa
de boas vindas

sobre o terraço
um corpus
movente reptiliano
rebola como sopa
de enguias frescas
respingos

Carol sobe o short
que insiste em
cair
Carol se auto-intitula
Bandida, diz:
bateu uma onda forte

não chove ainda
mas sentimos
concretamente
um sereno gelado
respingos
de suor
ou um fluído
irreversível
de sedimentação

Márcia registra
pequenas erosões
imagens invisíveis
da terra
ela corta o cabelo
com uma tesoura
enferrujada
de jardinagem
corta
as plantas murchas
as folhas secas
os galhos quebradiços
(com uma tesourinha menor)
as unhas
das mãos
as unhas
dos pés
as peles
mortas
um crime é silenciado
na padaria mais quente da baixada
no seu sismógrafo
bateu, já avisava Carol

uma onda forte
movimentações
sigilosas
de terrenos
estrondos encarnam
todas as sugestões
da imagem granulada
de Márcia em preto e branco

"larguei a família
a escola, você sabe
vou perder os amigos
se prostituir faz parte
com um copo
de guaravita
eu fico suave"

Carol é luxúria
um fantasma sensual
de banhas oscilantes
pintado por Bruegel
numa festa de arruaça

"agora o baile virou boite"
pode se soltar
solta a purpurina"

Márcia atravessa o palco
de velocípede
transforma
um concerto "Winter music"
em
"Música para dois velocípedes e pianos"

Márcia brinca de bonecas
com 28 caminhas
compõe
uma suruba infantil
imagens de Kaminhas Sutrinhas
dignas
de Bruegel
duplas e trincas movimentam
seus suportes plástico-parafuso-pilha
conectados por
correntes finíssimas de metal prateado
dão voos rasantes
gargalham
como só um adulto capaz
de gargalhar
em estado
de ereção

Márcia é cirúrgica
com sua camisola
branca
embora
semi transparente
entremeia
as correntes finíssimas de metal prateado
com pequenas coroas
de santos católicos

recolho os fios
da aparelhagem de som
tossindo
gás lacrimogêneo
despejando
lágrimas
coçando a vista
embaralhando
a imagem da fotografia

já não sei se é ela
que puxa
as correntes finíssimas
derruba
todos os copos que dispôs
meticulosamente
em torres mal equilibradas

se sou eu que prendo
as coroas de santo como brincos
no suporte-orelha-destrutiva
me desloco
lânguida
cabelos soltos
e alguns fios arrastando pelo chão

peço que me bebam
não posso
mais fugir dos imperativos
publicitários
duas por cinco
se prostituir faz parte

lá onde sou
suporte líquido
torno o chão escorregadio
será que esses contornos
imprecisos
são
capazes
de gargalhar
em estado
de exceção?

e não estamos caindo
incessantemente?
e não estamos caindo
no fluir violento de uma chuva sobre
os guarda-chuvas dos ambulantes
pontuais?
e não estamos jogando
nossos próprios suportes-corpo-menino-de-rua-mascarado
violentamente
contra
tapumes
só pra cair mais violentamente ainda?
e não estancaremos como estalactites?
com um punho cerrado em um concerto "Winter Music"?

a fotografia é o rastro
do corpo que se foi
cabelos molhados
brincos
e derrubou
todos os copos
e se deixou no chão
sob os helicópteros
erigidos
sobre os arcos

a nossa festa
é ruína
de imagem e som
captada por mãos
trêmulas
câmeras de baixa
resolução


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